UM DESENHO POR SEMANA

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

É Natal, respire.


Todo ano é  a mesma coisa. Escrevo as mesmas mensagens de outro jeito no mundo publicitário por aí. Já falei isso aqui. Tento mudar  nesta  plataforma em que sou livre e desimpedido de temores comerciais. Livre, mas estou estou falando de novo. Repetindo a repetição sobre como é repetir. Assim, para não continuar fazendo isso vou dizer o que sinto neste exato momento em que escrevo escutando o álbum novo da Elza Soares, contaminado pelo tempo, impulsionado pelo discurso do disco e pelas tragédias que pulam em todos os lugares que eu olho enquanto os lindos comerciais dizem que precisamos ter incríveis e inspiradores momentos.

O Natal é aquela época trágica para quem tem depressão, família grande, para quem não está nem aí ou finge não estar. Uma época cheia de tudo pra terminar, entregar, comprar, encomendar e receber. Uma época, não uma data. O espírito do Natal é um espírito de urgência de tudo fazer, inclusive de descansar. E essa tal época do natal deste ano de 2016 parece particularmente caótica. O mundo está em crise, o Brasil está em crise. Não cessam as notícias, não param as tragédias acidentais, militares, terroristas, sociais, políticas e morais. Uma época como outra qualquer no mundo mau, mas com a urgência da felicidade, da resolução, da paz e da harmonia.

E o Natal sempre foi isso, inclusive em sua origem. Época de luta, mesmo. Luta pra sobreviver, Luta pra chegar, luta pra nascer, luta pra viver. A saga da família natalina, dos magos, pastores e o contexto da época  tem tudo isso. Tem o crer e a responsabilidade de fazer apesar do cenário e a abnegação que eliminou qualquer orgulho na pessoa de José. Tem a entrega total e absoluta de Maria em meio à situação mais surreal de todos os tempos, ser mãe virgem e ainda do Filho de Deus. Tem a loucura da necessidade da busca em cima de uma profecia por parte dos magos. Tem o mundo mau na pessoa do Rei Herodes matando crianças por causa de Jesus.

O engraçado é que há mais uma coisa igual: a pausa. Imagino os magos chegando de uma longa e cansativa jornada orientados pelas estrelas. Seus corpos cansados, sua mente exausta de deserto, sedenta de sucesso na jornada mais importante da história. Talvez um deles já estivesse descrente de sua própria interpretação astronômica e cartográfica da profecia. Talvez ele tenha pensado em voltar. Mas, assim como o tempo que não pode ter seus ponteiros parados, eles não voltaram. Os magos levaram seu cansaço até o fim, até o ápice do brilho da estrela, até uma estrebaria, até uma manjedoura, até o Messias em forma de menino. Imagino os olhos deles, o momento de parar em frente ao local sinalizado pela estrela. Eles pararam “É aqui” É aqui!” É aqui?”. E naquele momento não havia cansaço, não se ouviram espadas tilintando, não se sentiu o calor diurno ou o frio noturno do deserto, não havia o peso da convenção social do casamento para José e maria. Não havia o peso econômico, a necessidade da situação ideal para uma criança nascer. Não havia medo. Todo o cansaço físico e da alma de repente desapareceu naquela cena, quando os pastores, os magos e os pais do menino o viram deitado na manjedoura. Foi um instante, talvez algumas horas. Mas foi descanso. Foi o descanso da alma que estava certa em acreditar, da mente que calculou, planejou e decidiu seguir viagem, do coração que ao ver o sobrenatural decidiu se maravilhar e não simplesmente temer.

Não há natal perfeito. Ou há: é aquele onde o mundo soa caótico, mas por algumas horas há o descanso, há o olhar pra fora de você votado para aquilo ou aquele que manda embora todo medo, e que sacia a sede da alma. O olhar para o presente em forma de leve fardo. Natal é a chegada, é o limpar da testa suada. É o parar, perceber tudo o que já foi se ver na conquista imerecida, e entender que tudo na vida é presente e sem perceber, respirar.  

E o menino do Natal 30 e poucos anos mais tarde falou:
Venham a mim, todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu aliviarei vocês.
Tomem sobre vocês o meu jugo, e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração;
E  vocês encontrarão descanso para as suas almas.
Porque o meu jugo é suave e o minha carga é leve.
Mt 11:28-30

Respire.
 

sábado, 13 de agosto de 2016

Por um dia dos pais mais Dollynho

Esse domingo é o chamado dia dos pais. E eu, no meu segundo ano, mas o primeiro com meu filho no colo, gostei da coisa. Até que comecei a ver os filmes comerciais para a data e não me senti homenageado em nenhuma delas. O pai na mensagem principal de diversas campanhas não tem lá muita importância. A importância está na inclusão de quem quiser ser pai, na mulher ou em alguma bandeira ideológica relevante x, y, z.  Na verdade essa necessidade de comunicar inclusão mostra para mim um buraco na prática inclusiva.

As marcas têm a necessidade de manifestar sua atenção às tendências e por essa razão, tomam para si o discurso que enxergam relevante para o seu público. Quando uma marca homenageia o padrasto, não necessariamente entende que ele deva ser homenageado. É, além de uma maneira de não ser paisagem em meio à quantidade de campanhas parecidas, se mostrar atual, ou mesmo à frente do seu tempo. O exemplo da campanha da Boticário é sintomática (abaixo).



Não disse aqui que o padrasto também não deva ser homenageado, que não haja os que dentre eles sejam muito melhores que alguns pais. Meu papo aqui é a sobre a ausência da simples homenagem, pois na soma com outras campanhas, vejo que a tendência é deixar o “pai comum”, em 2º plano.  Em três dos filmes mais compartilhados, a figura paterna não é celebrada. Em uma, ser padrasto é “ser mais que pai” (então o que seria ser pai?). Em outra, o filho se esforça para ser como o pai e no final a mãe mostra que o pai é um mero coadjuvante e que na verdade foi ela quem fez tudo. Em outra o foco não está na homenagem ao pai, mas na diversidade de tipos de pai. Todas campanhas de grandes marcas.

Mas, a gente não pode homenagear outras figuras paternas?
É claro que podemos e devemos. O estranho é não poder ou de repente ser a menor das importâncias a homenagem ao pai comum que não pertence a nenhuma outra categoria especial (avô na figura de pai, mãe, padrasto, pais homoafetivos etc).
Esse fenômeno vem ainda de outra questão. Alguns filósofos e pensadores já percebem que existe um clima de diminuição do papel masculino na sociedade. E aqui me coloco na frente da vidraça pronto para tomar pedradas. Hoje em dia, por conta de todo histórico do chauvinismo, de nossa cultura misógina e de tudo o que a mulher ainda sofre em pleno século 21 (salários menores, assédios, violência, baixo reconhecimento, jornada dupla) há quase que uma mal-estar em homenagear o homem, mesmo no dia dos pais. E esse sentimento em nada ajuda a mulher e não melhora as relações de igualdade de direito e respeito entre os gêneros. Essa distorção é comum. A diminuição do gênero como se fosse um pedido de desculpas pelo sofrimento que muitos membros do sexo masculino impõe às mulheres desde que o mundo é mundo. Com certeza as mulheres merecem mais que isso e os homens não merecem tanto descaso.

A coisa do pai entra aí por ser uma posição tradicional masculina que parece ferir a necessidade atual de inclusão de todo mundo em tudo. Uma forma de estabilishment que hoje soaria anacrônica.  Mas não deveria. Pais comuns continuarão nascendo todos os dias, junto com seus filhos. Pais bons e pais ruins.  Fico pensando se não precisamos ser mais simples, menos armados. Se precisamos dessa falsa inclusão midiática, na qual a palavra “pai” é tida como excludente.
Talvez precisemos de um mundo menos Boticário e mais Dollynho. Menos panfletário e mais homenagem de escola. Menos engajado e mais bobo.



Talvez precisemos de um mundo que se esvazie dos discursos, para começar agir com o amor simples de pais e filhos, irmãos e irmãs. Amor de humanos e não de classes, discursos ou tendências. Relações que de fato sejam igualitárias e que nelas realmente haja um entendimento do outro, seja ele quem for, em todas as suas diferenças. Afinal, somos sim todos diferentes e iguais ao mesmo tempo. Diminuir o outro não melhora a gente, só engana.
(leia mais sobre isso em "Viagem rumo a cara de ET")

Lanço então hoje o desafio para os próximos anos. Campanhas de dia dos pais que não sejam piegas, e sim criativas, que não precisem lançar mão de bandeiras, apenas o bom e velho amor paterno que eu sinto por meu filho há quase dois anos, desde que fiquei com ele a sós uma hora após seu nascimento, no quarto da maternidade. 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Uma vida em pedaços



A primeira vez em que minha esposa e eu fomos ao cinema depois do advento de um certo ruivo em nossas vidas, impactou definitivamente meu comportamento como espectador. Naquele dia, saímos faltando 50 minutos para acabar o filme. Fui terminar de vê-lo mais de um mês depois.

Nos dois primeiros meses do bebê todo mundo já está meio que preparado para não ver, não ler, não assistir coisa alguma, pois além de trabalhar, você precisa estar presente com o filho e a esposa, trocando noites por dias, buscando comida, limpando o que dá, fazendo o que dá. Disso quase todo mundo sabe e eu também não imaginava algo diferente. Mas depois de uns 6 meses, você acha que separar duas horas ininterruptas pra assistir a um filme em casa não será um problema.  Naquele momento no cinema, percebi que o tempo não ia aumentar tanto assim. Hoje quase não vejo e não me exponho a um objeto de arte de maneira inteira. Minha experiência é sempre fragmentada.



Sou daqueles que gostam de assistir um filme por completo e que ao sair da sessão, seja ela em casa ou no cinema, gostam de saborear a produção por mais alguns minutos na mente. Esse tempo, nada muito longo, é um momento de transição, como acontece quando você acorda de um sonho. Por alguns segundos sua mente entende que está no real e passa a querer analisar, por em ordem, as cenas, os personagens, as histórias que seu inconsciente criou. Você não entende tudo de imediatamente, mas um dia depois seu cérebro joga as cenas novamente na sua cara, algumas conexões se restabelecem e você percebe as mensagens. Para mim cinema é a mesma coisa, com a diferença que essa análise é feita a partir do (in) consciente de outros, no caso, o diretor e o roteirista.

Essa completude da experiência sempre foi essencial para mim. É o mesmo com um livro, que, apesar de uma exposição mais fragmentada, é uma obra que demanda dedicação, principalmente no início da leitura. É preciso um envolvimento com a linguagem, com os personagens, com o ambiente. É necessário intimidade. Como fazer amizade.
No caso do cinema, o ritmo é pensado para aquele tempo. Cada anticlímax e clímax foi idealizado e construído na cabeça e na montagem. A expectativa criada para uma cena, a solução feita pra ela. Quando se quebra esse


Precisei aprender a ser um  um espectador de fragmentos. Alguém que começa o filme na TV vê um pedaço no celular, depois termina no almoço, no computador da agência. Era fazer isso ou não fazer, ou ainda, na melhor das hipóteses fazer raramente. Mas raramente pra mim não existe. Foi então que para me obrigar a assistir mais filmes, mesmo dessa forma incompleta, criei um projeto de ilustração, cinema e fotografia. Um projeto que me faria ver mais filmes e desenhar mais. Um projeto que forçasse a minha adaptação ao tempo em que vivo e ao tempo que tenho, sejam eles 15, 30, 40 minutos. Um projeto que fosse expressão da experiência quebrada que eu tinha. Um projeto de necessidade de arte por causa das pessoas a quem eu amo.  Recortes que o novo jeito do espectador tem da mente do outro. Daí saiu o moviesketches. Expressões em desenhos rápidos feitas naquela transição do sonho para a mente desperta. A mistura entre o real e o artístico. Ilustração e matéria. Cinema, desenho e foto.


Creio que nunca aproveitei tanto o tempo. Nunca imaginei que passar tantas horas com uma criança seria tão bom. Nunca pensei que meu pouquíssimo tempo para todas as outras coisas seria tão grande. Nunca pude imaginar que meus minutos me eram tão caros. Amo minha família, amo esse ruivo. Não amo meu tempo mas posso dizer que começo a perceber que pedaços dele podem ser mais completos que dias inteiros. Ah, antes que eu me esqueça: obrigado por dar um pedaço do seu tempo por aqui.

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