A primeira vez em que minha esposa e eu fomos ao cinema depois do advento de um certo ruivo em nossas vidas, impactou definitivamente meu comportamento como espectador. Naquele dia, saímos faltando 50 minutos para acabar o filme. Fui terminar de vê-lo mais de um mês depois.
Nos dois primeiros meses do bebê todo mundo já está meio que preparado para não ver, não ler, não assistir coisa alguma, pois além de trabalhar, você precisa estar presente com o filho e a esposa, trocando noites por dias, buscando comida, limpando o que dá, fazendo o que dá. Disso quase todo mundo sabe e eu também não imaginava algo diferente. Mas depois de uns 6 meses, você acha que separar duas horas ininterruptas pra assistir a um filme em casa não será um problema. Naquele momento no cinema, percebi que o tempo não ia aumentar tanto assim. Hoje quase não vejo e não me exponho a um objeto de arte de maneira inteira. Minha experiência é sempre fragmentada.
Sou daqueles que gostam de assistir um filme por completo e que ao sair da sessão, seja ela em casa ou no cinema, gostam de saborear a produção por mais alguns minutos na mente. Esse tempo, nada muito longo, é um momento de transição, como acontece quando você acorda de um sonho. Por alguns segundos sua mente entende que está no real e passa a querer analisar, por em ordem, as cenas, os personagens, as histórias que seu inconsciente criou. Você não entende tudo de imediatamente, mas um dia depois seu cérebro joga as cenas novamente na sua cara, algumas conexões se restabelecem e você percebe as mensagens. Para mim cinema é a mesma coisa, com a diferença que essa análise é feita a partir do (in) consciente de outros, no caso, o diretor e o roteirista.
Essa completude da experiência sempre foi essencial para mim. É o mesmo com um livro, que, apesar de uma exposição mais fragmentada, é uma obra que demanda dedicação, principalmente no início da leitura. É preciso um envolvimento com a linguagem, com os personagens, com o ambiente. É necessário intimidade. Como fazer amizade.
No caso do cinema, o ritmo é pensado para aquele tempo. Cada anticlímax e clímax foi idealizado e construído na cabeça e na montagem. A expectativa criada para uma cena, a solução feita pra ela. Quando se quebra esse
Precisei aprender a ser um um espectador de fragmentos. Alguém que começa o filme na TV vê um pedaço no celular, depois termina no almoço, no computador da agência. Era fazer isso ou não fazer, ou ainda, na melhor das hipóteses fazer raramente. Mas raramente pra mim não existe. Foi então que para me obrigar a assistir mais filmes, mesmo dessa forma incompleta, criei um projeto de ilustração, cinema e fotografia. Um projeto que me faria ver mais filmes e desenhar mais. Um projeto que forçasse a minha adaptação ao tempo em que vivo e ao tempo que tenho, sejam eles 15, 30, 40 minutos. Um projeto que fosse expressão da experiência quebrada que eu tinha. Um projeto de necessidade de arte por causa das pessoas a quem eu amo. Recortes que o novo jeito do espectador tem da mente do outro. Daí saiu o moviesketches. Expressões em desenhos rápidos feitas naquela transição do sonho para a mente desperta. A mistura entre o real e o artístico. Ilustração e matéria. Cinema, desenho e foto.
Creio que nunca aproveitei tanto o tempo. Nunca imaginei que passar tantas horas com uma criança seria tão bom. Nunca pensei que meu pouquíssimo tempo para todas as outras coisas seria tão grande. Nunca pude imaginar que meus minutos me eram tão caros. Amo minha família, amo esse ruivo. Não amo meu tempo mas posso dizer que começo a perceber que pedaços dele podem ser mais completos que dias inteiros. Ah, antes que eu me esqueça: obrigado por dar um pedaço do seu tempo por aqui.
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