UM DESENHO POR SEMANA

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

As mentiras que nos acalentam (e o silêncio que nos perturba)



- Então passa lá um dia!
- Ah, vou sim, pode deixar.

Lembro-me em criança de ouvir isso quando via os adultos se encontrando casualmente, no shopping ou supermercado. E por um tempo esperava o dia em que fulano ou cicrano ia nos visitar, ou quando iríamos até uma cidade na divisa do estado dar uma passadinha na casa de algum conhecido da família. Até que percebi que eram daquelas mentiras com o intuito de nos garantir nosso local na zona de conforto.

São várias ocasiões e tipos de mentira pelas quais passamos e usamos no dia a dia. Das perguntas que nada querem dizer, como as mais usadas “tudo bem?”, que na verdade significa no máximo um ”oi”, nada tendo a ver com qualquer interesse em saber como realmente a outra pessoa está. Até a resposta para essa pergunta, “bem, e você?” que igualmente substitui o tal do “oi’.

Existe também a famigerada “passa lá”, quando você não está cogitando a hipótese de que na verdade a pessoa vá, e a resposta “eu vou sim” que nem de longe tem em si a intenção de ir até o referido lugar.

Quando eu era criança, percebia isso como mentira. Achava um absurdo. As crianças são assim, lógicas ao extremo. Verdadeiras, até quando mentem. Achava que o fato de um mentir para o outro, quando ambos sabiam da mentira, não diminua o delito. Aliás aumentava, já q não fazia sentido, um convidar sabendo que o outro não ia. “Para quê isso? Não é mais fácil ficar sem falar coisa alguma?” Foi então, que depois de um tempo entendi outra coisa. O silêncio é um grande problema paras pessoas. A falta de sons nos deixa desconfortável. Acabou o assunto, soltamos um “passa lá” para terminar a conversa e sair daquela situação que poderia ficar estranha. Fazemos qualquer coisa para não ficarmos no tal silêncio constrangedor. Nos obrigamos a ter o que falar, mesmo quando tudo já foi dito. Preferimos dizer coisas que realmente não queremos ou sabemos a ficarmos no desconfortável silêncio coletivo.

Somos assim, temos nossos códigos que nos fazem manter um padrão de conduta aceitável à maioria. Condenável? Talvez não, mas certamente questionável, e no mínimo curioso.
E realmente fazemos isso, nos acalentamos nesse polimento básico, cotidiano para não complicar mais a vida que sempre anda cheia de problemas, numa velocidade acima da nossa. Vivemos na superficialidade das mentiras que nos acalentam. Precisamos da zona de conforto. A necessidade, a falta, o desconforto enfim, geralmente faz o homem seguir, crescer evoluir, criar, descobrir. Mas já estamos tão desconfortáveis, no trabalho, no trânsito, em nossas casas com medo da violência, em nossos relacionamentos cada vez mais difíceis. Desconfortáveis com nossas decisões eletivas (pelo menos deveríamos estar), com nossos orçamentos, nossas buscas e as pressões que recebemos do mercado de trabalho, da família, dos amigos até mesmo de nós mesmos. Não queremos mais desconforto. Se pudermos evitar até o temido silêncio de mais de cinco segundos, melhor.


Se olharmos do alto da visão de um metro e dez de altura de uma criança, percebemos o quão ridícula e nonsense é a situação. Mentimos pra ficarmos confortáveis, precisamos falar. Não seria mais tranqüilo nada dizer? O silêncio deveria nos deixar mais calmos, mais serenos. Mas estamos acostumados a todo o barulho do mundo em que vivemos. Ah, como seria bom se usássemos a sinceridade e simplicidade infantil mesclada com o bom senso adulto. Bem, desculpem o escritor, parece que agora é ele quem está sendo surreal.
E durma-se com um silêncio desse.
Trilha sonora:
It´s Oh So quiet (Bjork)

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