UM DESENHO POR SEMANA

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Conto - As Crônicas de Nando - O armário embutido

Sentou-se em frente ao guarda-roupa, também chamado de armário. Às 15h30 da tarde, quando a maioria dos membros da família cochilava em algum canto da casa, sem nenhum sono ele se viu levado ao quarto de sua avó diante do grande móvel imóvel.

Logo após o almoço, meio perdido, ele foi lá. Depois de olhar uma ou outra bugiganga de sua avó, testar as molas da cama, o tamanho e a cor do armário chamaram sua atenção. Lembrou-se de um filme que tinha visto, cujo livro dado por seu tio, nem havia tentado ler, afinal, já havia visto a história no DVD. Aquele papo de dar asas à imaginação e dar vida às histórias lidas não colava mais com ele, já estava grande com seus 10 anos e meio. Ainda assim ficou sentado na cama de molas olhando para o guarda-roupa. “Guarda-roupa”, sussurrava, “armário, armário, guarda-roupa...armário, armário...embutido!”. “Embutido” ficou pensando nessa palavra uns 5 minutos. O que queria dizer? Uma vez quando estava com seu pais no mercado municipal, ouvira sua mãe falando que eles não deveriam comer embutidos logo que seu pai parou numa loja que tinha salames pendurados por todos os lados. Lembrou-se disso “embutidos são os salames”. Mas não contente com a própria explicação voltou-se novamente para o armário como que se perguntasse pra ele “mas se embutido é o salame, e o armário, o que é?”.

Nando não era o menino mais inteligente da sua sala. Era daqueles que tinha alegria de tirar alguns “As” mas na maioria do tempo alternava entre “Bs” e muitos “Cs” mesmo. Mas era bom em redação, pelo menos até há pouco tempo, quando decidiu que já era hora de parar de “dar asas à imaginação”. Mas sabia pensar quando queria e raramente ficava satisfeito com qualquer resposta dada às suas perguntas.

“O armário, o que é?” continuava pensando. “Todo armário que chama “embutido” fica na parede e não fora dela como aquele do filme.” “isso todo mundo sabe” minimizava ele. “Mas por quê chama embutido e o salame também?

Quando o raciocínio estava se formando na cabeça, Nando se distraiu um pouco, na verdade bocejou. Às quase 16h00 de um domingo quente, com um silêncio daqueles, por mais energia de 10 anos e meio que você tenha às vezes bate uma preguiça, principalmente quando se é a única criança na casa. Nando levantou-se, espreguiçou-se com as mãos para o alto, deu mais uma volta no quarto passando pelo armário, parando no interruptor, ligando e desligando a luz, entediado.
Passou pelo armário de novo. Como quem não quer nada, abriu uma porta do seu atual companheiro de tédio. “Não devia” balbuciou, querendo colocar um certo juízo em si mesmo, já que sabia que não deveria abrir ou pegar nada de ninguém sem permissão.

Depois de uns 4 segundos de dúvida, abriu totalmente a porta revelando apenas umas gavetas. Já sem pudores, abriu outra porta. Nesta, tinha algo como um espaço para colocar os sapatos, cujo tampo ficava uns 40 centímetros mais baixo que sua altura. Por um tempo apoiou-se no tampo, olhou alguns vestidos de sua avó e não viu nada de muito revelador. Não havia ali um livro velho, um porta-retratos, um baú ou qualquer coisa que pudesse gerar algum interesse nele. Nada. Meio que chateado, mas sem admitir para si mesmo, já que não era mais alguém que “dava asas à imaginação”, sentou-se no lugar dos sapatos, embaixo do tampo. Deixou que as portas do armário se fechassem naturalmente. Olhou pela fresta que sobrou por um tempo vendo a cama com colchão de molas de sua avó. Sentiu-se meio sufocado, desconfortavelmente acomodado.
Sem muito drama caiu no sono.

Acordou.
Abriu os olhos, mas tudo continuava escuro. A porta havia se fechado. Com os pés Nando tentava empurrar as portas do armário, mas como estava todo comprimido debaixo do tampo, não tinha espaço par mover as pernas direito e não conseguia muita coisa, nem mesmo fazer barulho para chamar alguém.
Pensou em gritar, não o fez.
As pernas começaram a doer, depois a formigar. Com um quase medo de um menino de nove anos e meio – e não de dez – Nando começou a querer soluçar. Um pouco sem ar, cansado, suado, derramou uma lágrima resistida.
“E agora?”

Ainda que estivesse no escuro quase total, fechou os olhos. Preto. Respirou, contraiu os olhos o mais que podia. Preto. Puxou o oxigênio que não existia ali. Sua cabeça doía e sua alma mais que seu corpo precisava respirar. Azul escuro. Fechou sua mão direita como se segurasse algo começou a riscar a perna com a unha. Azul. Riscava mais forte e mais rápido, seu dedo ia e vinha na extensão que alcançava da sua coxa. Azul com manchas brancas. Olhos cada vez mais apertados e um leve refresco na pele do rosto. Azul com manchas e pontos brancos. O refresco aumentava na sensação de uma brisa e os dedos diminuíam o ritmo. Céu, nuvens e estrelas. Sentia até seu cabelo balançar levemente, seus dedos agora pincelavam a perna. Céu, nuvem, estrelas, vento, cometas, planetas. Olhos suavemente fechados, enquanto sorria.
Preto.
Branco.
“Achei você!” falou a mãe – “o que é que você está fazendo aí? podia ter sufocado”. Com olhos inchados pelo sono e alguma lágrima, Nando olhava, mas ainda não respondia. “Ele está bem” tranquilizou a avó. “Só um pouco cansado, mas a vó guardou uma surpresa pra você, meu filho.” Enquanto, levava Nando até a cozinha, a avó o surpreendeu dizendo “eu sei o que você estava fazendo lá, Nando!” Com a apreensão de quem acabava de ser pego o menino baixou a cabeça esperando a continuação da bronca “Você estava tomando um ar! Nada como um bom oxigênio para um rapaz de 10 anos de idade!” “E meio“ pensou Nando, “ dez anos e meio”.
Quatro anos depois, num dos dias difíceis da época, Nando tentou entrar no armário que se chama de embutido, outra vez.
Infelizmente ele já não cabia mais ali.

Um comentário:

  1. Muito legal marido! ops, posso te chamar assim por aqui? rs Vc devia escrever um livro!!!

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