UM DESENHO POR SEMANA

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O auto-preconceituoso

Era final da década de 90.
Tempos de 6ª NBA na Band com comentários do Marcel (o jogador) que maravilhado falava sobre atuações memoráveis de atletas como Larry Bird do Boston Celtics, Isaia Thomas do Detroit Pistons, o maravilhoso Magic Johnson e é claro, do maior de todos, Mr. Michael “Air” Jordan. 

Um grupo de adolescentes ia sempre ao Parque Ecológico Emílio José Salim, na cidade de Campinas, para jogar basquete. Pertenciam a uma mesma fé, congregavam em uma pequena igreja de bairro.
Para eles não havia dia ideal, eram finais de tarde em dia de semana, manhãs de sábado e tardes de domingo, sem muita cerimônia. Mas aquele dia fatídico foi num feriado e além de simplesmente amigos adolescentes se divertindo, famílias, grupos de igrejas também apareciam por lá.

E foi nessa, que em um inocente jogo de vôlei “misto”, algo diferente aconteceu. Um homem, um pastor, estava ali com os membros da igreja onde trabalhava (não aquela onde os amigos frequentavam).  Enquanto o pessoal dele jogava futebol em outra quadra ele apareceu com a filha. Sem perder tempo uma das meninas do grupo perguntou se ele não queria jogar também. Ele aceitou, mas logo as meninas saíram, e os rapazes puderam jogar basquete novamente. 

Em um lance de jogo, o pastor, o homem, por não saber o nome dos que estavam jogando, soltou:
- Marca o paraibazinho ali! - O referido jogador, chateado com a alcunha dada, com a bola ainda em jogo, mandou em sua defesa:
- Eu não sou paraibano, sou paulista! 
O homem não se desculpou, e ainda continuou
- Ah, mas você é descendente” - enquanto soltava uma bela gargalhada, que irritou ainda mais o rapaz.
- Meus pais são aqui do sudeste, sou descendente de italianos, portugueses, negros e holandeses!
A bola havia parado. Nesse instante, o homem soltou a última:
- Só se for holandês do Ceará! – enquanto gargalhava novamente.

O rapaz não disse mais nada, ficou irritado o resto do jogo, não se divertiu mais. Sim, ele tinha toda aquela ascendência que havia vociferado contra o seu provocador, inclusive a holandesa. O adolescente tinha traços e sim tinha ascendência nordestina bem direta, avós paternos.  Tinha também a pele branca, branca, branca dos europeus, o cabelo e o nariz e boca característicos dos negros e olhos puxados de índio.

Mas ele só foi se perceber, se aceitar “em parte” nordestino, anos mais tarde através de sua namorada que um dia disse “eu sabia, tá na cara” quando ele falava de suas raízes.

Nesta altura do campeonato você sabe quem era o fedelho. Um bobo adolescente de 15 anos que se chamava Jean Marcel. 

Nesse tempo todo eu nunca manifestei seja em ação, palavra ou pensamento, preconceito contra qualquer nordestino. Mas manifestei contra todos e contra mim memso mesmo, quando me ofendi após alguém dizer que eu era um deles.

E hoje sim, posso dizer que sou. Não porquê tenho traços nordestinos, mas porquê sou como eles, sou brasileiro, graças a Deus. Sou fruto de tudo o que existe neste país, africanos, europeus e índios, nordestinos e sulistas. Sou paulista porquê nasci aqui, porquê 75% de toda minha família nasceu aqui, tenho o bom e o ruim de quem foi criado aqui. Mas cada traço do meu rosto diz que eu não sou de nenhum lugar, como diria Arnaldo Antunes, e de todos ao mesmo tempo. 

Lembrei desse episódio após aquela chuva de manifestações xenófobas no twitter. O preconceito existe e está mais perto do que a gente pensa e atinge a quem menos se espera. Às vezes está dentro da agente e ofende a nós mesmos. Eu já aprendi e me perdoei.

Espero que haja também arrependimento e aprendizado nesse país e que haja perdão. Só assim vai haver crescimento, não da economia ou do Estado, não das redes sociais, não só do povo, mas da gente como Nação. 

3 comentários:

  1. Do caráleo.

    Eu sou paulistano, paulista e, acima de tudo, brasileiro. Sou branco, mas tenho ascendência negra e indígena. E não digo isso com orgulho ou com vergonha.

    Não me acho melhor que o nordestino que o centroestino, que o nortista, sulista ou pessoa de qualquer região.

    Tampouco não acho que europeus, japoneses ou estadunidenses sejam melhor que nós brasileiros.
    Ninguém é melhor que ninguém pelo simples fato de nascer aqui ou acolá.

    Aliás, dizer que este é superior àquele é bem complicado. Superior em quê? E quem decide isso?

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  2. Exatamente Nego Lopito. Até porquê, dizer que um lugar é superior a outro por qualquer razão é dizer que se você nascesse em outro lugar, você seria menos (se é que a pessoa é alguma coisa por si própria)já que é apenas o local de nascimento, a região o país ou etc que faria, nesse caso, a pessoa. Não importa o lugar, importa quem somos.
    Valeu o coment.

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  3. NBA dos anos 90...a defesa implacável do Detroit, a magia e talento dos lakers, os Nicks, fregueses dos Bulls, cujo astro, além de ser bestial no ataque, defendia como poucos, ou seja, completo!

    JUNIOR BARROS

    Ps.: não era esse o tema, mas aquela NBA never more, o preconceito...

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