UM DESENHO POR SEMANA

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A ditadura da onomatopeia


Estamos vivendo o período mais onomatopaico da música brasileira. E onomatopaico com segundas intenções, ainda por cima. Se usar o barulho que as coisas fazem é um recurso de estilo válido, utilizar isso sempre da mesma forma, passa a ser uma piada gasta e de mal gosto.

Estou pra escrever isso há tempos, mas alguma coisa me segurava. Creio que tinha medo de parecer pedante, ou de apenas repetir um discurso que se vê por aí nas redes sociais.

Mas a verdade é que sim, estou indignado. Me sinto assim não por gosto, mas por causa da ditadura. A ditadura da onomatopeia. Estão fazendo da desculpa do popular, da diversão despreocupada, do gosto regional, a plataforma perfeita para criar uma cultura "classe C" que não reflete a verdade.

Sob a premissa de que uma nova classe social surgiu ou mudou e que deve-se ouvi-la, de que o que ela produz, veste, come, escuta e consome é relevante, criou-se uma economia que leva em consideração o poder aquisitivo de uma classe emergente. Como se esse respeito remunerado significasse a visão que em tese o mundo inteiro tem hoje do Brasil, economia em desenvolvimento. É como se estivéssemos como nação valorizando o médio e o pobre. Mas não é isso, não há valor, há o simples desejo de monetizar em cima de um novo público.

Somos um país novo e ainda patinamos no autoconhecimento. Tentam nos definir lá fora, tentamos nos definir aqui dentro. Vencemos alguns traumas, outros não. Estamos, quase trinta anos após a abertura política, começando a criar um novo jeito de ser país, de ser povo e patinamos nisso. E isso acontece também na produção cultural popular. Da verborragia burguesinha, de baseado na mão e calças de boca de sino que falava do pobre de maneira sociológica na época da ditadura, partimos hoje para o gutural, o monossilábico.  Não somos mais intelectualóides tentando ser pensadores franceses, o que é bom, mas viramos neandertais almejando, quem sabe, descobrir a roda. Não chegamos a um meio termo.


E em meio a tudo isso, com dinheiro na mão e sem ideias na cabeça, alguém no diz que somos lixo. Alguém nos diz que assim está bom, que não precisamos fazer melhor. Aliás, se fazemos o pior, tanto melhor. Nos impelem para o erro. Passam a mão na nossa cabeça e não nos deixam crescer.  
Em nome do “não julgueis” dizem para nós que tudo é válido, tudo é bom. Perpetuam a burrice, proliferam o sorriso cariado.

Como em toda ditadura, não há como fugir. TVs, gravadoras, empresas, bancos, todas formataram um perfil de popular. E aí vem a ditadura. Há que se vestir o uniforme classe C. Gritos, músicas, cores, em um pacote fechado.
E a peça sonora chega até você. No filme, novela, propaganda de automóvel, jogo de futebol, programa jornalístico, carro de som na rua, farmácia, padaria, lá está a melodia.

Qual o problema de se ouvir uma música que não tenha lá muito significado?
Nenhum, e certas vezes é até bom. Como é bom comer um salgado no almoço de vez em quando. Mas na maioria dos dias precisamos de um prato completo, equilibrado. O popular é muito melhor do que um salgado qualquer. Somos arroz com feijão, couve e uma carninha pra sustentar. É assim que se cresce. Se alguém nos ensinar, nós aprendemos. Se mostrarem outras músicas nós escutamos, se nos alfabetizarem, nós lemos e escrevemos. E criamos, compomos, pintamos, lutamos. Mas não nos digam que está tudo bem em nada saber.

Não precisamos do plágio, da cópia do plágio e às vezes, do autoplágio. Sempre existiu música comercial, produto declaradamente ruim. A questão é que antes não vinha travestido de cultura popular.  

Abaixo a ditadura do que eles dizem que é o popular. Abaixo o monopólio de sotaque e de estilo. Abaixo, não a onomatopeia, mas a ditadura do verso que se resume a ela.

2 comentários:

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