UM DESENHO POR SEMANA

terça-feira, 7 de maio de 2013

Por uma vida sem filtro - Uma crônica contada

Capítulo um - Cyn e o Instagram

Cyn nunca gostou do Instagram. Ela não gosta dos filtros. Cyn prefere a foto assim, in natura. Que decepcionante mostrar as fotos tratadas para a Cyn. Que chato carregar no HDR  + Willow ou Inkwell e ela nem ligar. Que chato.  


Capítulo dois - JM e os óculos de sol

JM não era fotógrafo, nem mesmo amador. Era apenas um publicitário que gostava de desenhar , ou um desenhador que trabalha como publicitário e tentava ter um certo olhar próprio para as coisas, uma visão artístico-filosófico-pop-poética de tudo. Não tinha uma DSLR como seus amigos. Possuía um smartphone mid-range, mas com uma ótima câmera. Gostou do Instagram. Lá não precisava tirar fotos das pessoas posando, ou ser um gênio do olhar. Podia simplesmente registrar o que via naquela janelinha quadrada. Podia abusar no filtro, ou sem ele, sem o photoshop. Podia olhar de um outro ângulo sem precisar saber o que é ajustar manualmente o foco, a exposição ou fingir que é um profissional da fotografia. Aquilo era só o que ele via, com uma ou outra cor que ele acha que deveria ter, assim do jeito dele.  JM era o marido de Cyn.



Capítulo três - Cyn e o trabalho
Cyn era bióloga de laboratório, como ela mesmo dizia. Era doutora, mas como Ross Geller, ninguém lembrava  disso. Cyn não buscava ter uma visão artístico-filosófico-pop-poética  sobre nada. Trabalhava visitando clientes que compravam insumos biológico-moleculares de uma empresa multinacional para a produção de sabe-se lá do que em suas próprias empresas. Pelo menos era assim que JM explicava o trabalho de Cyn para as outras pessoas.  Cyn não ligava.
Cyn dirigia. Cyn dirigia o tempo todo, de cidade em cidade, visitando seus clientes. Cyn usava óculos escuros há muito tempo. JM sempre ajudava Cyn a escolher seus belos óculos.
Capítulo quatro - JM e os óculos escuros
JM não teve óculos escuros por muito tempo. Não usava nem quando dirigia. JM dirigia muito mal. E não era só quando fazia sol. Mas quando isso acontecia - do sol estar forte - a luz atrapalhava um pouco mais. Então, JM decidiu comprar óculos de sol. Depois de várias tentativas, achou o que ele queria por um preço camarada. E o vestiu lindamente.


Capítulo cinco - Cyn, JM, o olhar e a direção
Quando saíam juntos, Cyn era quem dirigia. Cyn gostava de dirigir. JM controlava a trilha sonora e olhava a paisagem. JM sempre gostou de ver detalhes de uma rua qualquer, de uma placa de trânsito errada, ou simplesmente de olhar o céu e as nuvens. Maravilhava-se com os diferentes tons de azul do céu. O das 
ensolaradas

manhãs de domingo, diferentes dos das manhãs de sábado. O céu com muitas nuvens que pareciam ser, de tão densas e desenhadas, verdadeiras placas sólidas de isopor, como se houvesse uma barreira maciça e ao mesmo tempo frágil entre o nosso céu e o de Deus. Admirava os ocasos com os laranjas, rosas, beges e o cinzinha da poluição, enquanto poucos caminhões passavam na estrada aos fins de semana.
De óculos escuros, Cyn dirigia.    


Epílogo - Cyn, JM, o Instagram e os óculos escuros.
Na primeira vez que JM usou seus óculos escuros em um desses passeios, sentiu um desconforto. Sua vista parecia meio turva. Apesar de meio distraído, JM não era idiota e viu que eram os óculos. Tirava e colocava. Começou a perceber que as lentes puxavam as cores mais quentes para o vermelho e davam uma leve aquecida nas frias. Ficou meia viagem nessa de com óculos, sem óculos. Gostava dos diferentes verdes, dos secos aos molhados. Gostava das variações dos pretos azulados do asfalto. Amava ver os azuis, os rosas e os beges celestes sem qualquer intervenção, a não ser o da limitação da sua vista.
Decidiu tirar os óculos de vez, e disse:
- Prefiro ficar sem eles. Me sinto dentro de um Instagram perpétuo. Gosto mais do real.
Como se nada fosse, Cyn respondeu calmamente:
- É por isso que eu não gosto dessas fotos tratadas. Já vejo minha vida com filtro quase o dia inteiro, todos os dias. JM ficou em silêncio. Cyn Dirigia.

5 comentários:


  1. Rsrsrs..
    "As voltas que a vida dá". Muito bom!

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  2. Às vezes é preciso colocar lentes/filtros entre o mundo e os nossos olhos pra suportar o cegar que ele nos causa. Às vezes não. Esse equilíbrio de saber quando e qual lente/filtro colocar é que é o viver. Belo texto, bela forma de contar essa história. Parabéns de novo.

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  3. A vida dá voltas e a gente repensa e revê as coisas com o filtro do experimento diário. Valeu, Keko e Joab, pela audiência carinhosa.

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  4. Bela crônica. Belo texto. Só não vou dar parabéns porque tal capacidade e alta competência é rotina. Alias, vou dar parabéns sim. Pelos próximos que virão. Que certamente serão de excelente qualidade. Abraço.

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    Respostas
    1. UAU. Vindo do grande jornalista Elias Aredes é uma baita elogio. Brigadão Elias, por ler e comentar, demais mesmo.

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