Eu não conhecia o Cristiano Araújo. Não é que eu nunca estive com ele, eu nunca o tinha visto até aquela triste manhã para sua família, depois da qual sua foto não parou de pular na minha timeline e também em quase qualquer programa de TV.
Eu não conhecia Cristiano Araújo, eu nunca o tinha visto. As dezenas de matérias que se sucederam nos mais diversos meios, me fizeram descobrir que eu havia escutado sim uma música dele. Uma canção que era tocada em uma novela. Lembrei da música, não lembrei de Cristiano Araújo. Eu não o conhecia, eu nunca o tinha visto.
O seu nome não me era nem familiar. Se alguém o pronunciasse pra mim, soaria como qualquer outro dos prováveis milhares de Cristianos Araújos que foram registrados nesse país. Aliás, eu nem sei se esse era mesmo o nome de batismo dele.
Cristiano Araújo seria mais um infeliz das etatísticas do violento trânsito brasileiro, não fosse a repetição dos veículos midiáticos. Veículos que todas as manhãs me mostram acidentes, mortes, gente sofrendo, mas pelas quais solto um apenas um “ai” quando a cena é mais forte ou quando se relaciona com algo mais perto de mim, como um filho, a perda da esposa etc. Mesmo assim o sentimento dura pouco e é facilmente suprimido pelos gols da rodada e as más notícias da economia na TV, ou a discussão engajada do momento nas redes sociais. E assim a protocompaixão se dissipa. Aconteceria o mesmo com Cristiano Araújo, não fosse a repetição da notícia, inclusive do telejornal que o fazia enquanto escrevia esse texto. A repetição se dava porquê Cristiano Araujo era muito conhecido, fazia muito sucesso. Mas para mim ele não era ninguém. Cristiano Araújo, cantor de sucesso, não existia.
Mas não é porquê para mim ele não existia que sua importância não era grande para os seus e muitos outros. Da mesma forma acontece com todos aqueles que eu também não conheço cujas vidas se encerram, são incrivelmente difícieis, ou apenas sofrem das agonias que todos nós vivemos. Assim acontece comigo para muito gente, para muitos eu não devo ser nem mesmo uma ideia.
Existir, no caso do outro, depende da nossa conciência dele. Do nosso conhecer de detalhes, da nossa aproximação por similaridades ou do afastar pelo excesso de contrastes. O outro só existe quando temos um número suficiente de informações que ocupam um espaço relevante em nosso cérebro. Existir, a essa medida, é em certo modo uma corruptela cartesiana; se penso no outro, ele de certa forma está em mim, tenho conhecimento dele e, assim, ele é, ele existe.
Essa existência baseada na consciência é o princípio do bom e do mal no homem em relação ao próximo. Saber ou não saber, é o limite do ignorar ou amar. E está aí a base para todos os relacionamentos, sejam eles românticos, filiais, fraternos, de amizade ou de admiração. O quanto conhecemos de uma pessoa determina o quanto ela existe em nós. Esse limite é também a base para a relação com o indivíduo que se vê mas não se conhece e sofre nas ruas. É a base para a compaixão que se tem por uma pessoa que morre em seu bairro, vítima de violência, mas não para centenas que perdem a vida numa guerra civil em um país da África. A quantidade de informação determina a importância ou até a existência de um fato.
Essa é uma boa plataforma para analisarmos o papel da imprensa e da mídia sobre a existência de pessoas, situações e realidades que não chegam ou chegam pela metade até nós.
É também uma ótima plataforma para sabermos quem realmente existe pra nós e pra quem nós existimos. E a oportuna questão que cutuca a mente e que pode trazer à existência mais do que há nos limites dos nossos portões, ideologias, círculos sociais ou perfis virtuais. Basta perguntar.
E que Deus tenha misericórdia dos familiares de quem eu nem sabia da existência.
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