Todo ano é a mesma coisa. Escrevo as mesmas mensagens de outro jeito no mundo publicitário por aí. Já falei isso aqui. Tento mudar nesta plataforma em que sou livre e desimpedido de temores comerciais. Livre, mas estou estou falando de novo. Repetindo a repetição sobre como é repetir. Assim, para não continuar fazendo isso vou dizer o que sinto neste exato momento em que escrevo escutando o álbum novo da Elza Soares, contaminado pelo tempo, impulsionado pelo discurso do disco e pelas tragédias que pulam em todos os lugares que eu olho enquanto os lindos comerciais dizem que precisamos ter incríveis e inspiradores momentos.
O Natal é aquela época trágica para quem tem depressão, família grande, para quem não está nem aí ou finge não estar. Uma época cheia de tudo pra terminar, entregar, comprar, encomendar e receber. Uma época, não uma data. O espírito do Natal é um espírito de urgência de tudo fazer, inclusive de descansar. E essa tal época do natal deste ano de 2016 parece particularmente caótica. O mundo está em crise, o Brasil está em crise. Não cessam as notícias, não param as tragédias acidentais, militares, terroristas, sociais, políticas e morais. Uma época como outra qualquer no mundo mau, mas com a urgência da felicidade, da resolução, da paz e da harmonia.
E o Natal sempre foi isso, inclusive em sua origem. Época de luta, mesmo. Luta pra sobreviver, Luta pra chegar, luta pra nascer, luta pra viver. A saga da família natalina, dos magos, pastores e o contexto da época tem tudo isso. Tem o crer e a responsabilidade de fazer apesar do cenário e a abnegação que eliminou qualquer orgulho na pessoa de José. Tem a entrega total e absoluta de Maria em meio à situação mais surreal de todos os tempos, ser mãe virgem e ainda do Filho de Deus. Tem a loucura da necessidade da busca em cima de uma profecia por parte dos magos. Tem o mundo mau na pessoa do Rei Herodes matando crianças por causa de Jesus.
O engraçado é que há mais uma coisa igual: a pausa. Imagino os magos chegando de uma longa e cansativa jornada orientados pelas estrelas. Seus corpos cansados, sua mente exausta de deserto, sedenta de sucesso na jornada mais importante da história. Talvez um deles já estivesse descrente de sua própria interpretação astronômica e cartográfica da profecia. Talvez ele tenha pensado em voltar. Mas, assim como o tempo que não pode ter seus ponteiros parados, eles não voltaram. Os magos levaram seu cansaço até o fim, até o ápice do brilho da estrela, até uma estrebaria, até uma manjedoura, até o Messias em forma de menino. Imagino os olhos deles, o momento de parar em frente ao local sinalizado pela estrela. Eles pararam “É aqui” É aqui!” É aqui?”. E naquele momento não havia cansaço, não se ouviram espadas tilintando, não se sentiu o calor diurno ou o frio noturno do deserto, não havia o peso da convenção social do casamento para José e maria. Não havia o peso econômico, a necessidade da situação ideal para uma criança nascer. Não havia medo. Todo o cansaço físico e da alma de repente desapareceu naquela cena, quando os pastores, os magos e os pais do menino o viram deitado na manjedoura. Foi um instante, talvez algumas horas. Mas foi descanso. Foi o descanso da alma que estava certa em acreditar, da mente que calculou, planejou e decidiu seguir viagem, do coração que ao ver o sobrenatural decidiu se maravilhar e não simplesmente temer.
Não há natal perfeito. Ou há: é aquele onde o mundo soa caótico, mas por algumas horas há o descanso, há o olhar pra fora de você votado para aquilo ou aquele que manda embora todo medo, e que sacia a sede da alma. O olhar para o presente em forma de leve fardo. Natal é a chegada, é o limpar da testa suada. É o parar, perceber tudo o que já foi se ver na conquista imerecida, e entender que tudo na vida é presente e sem perceber, respirar.
E o menino do Natal 30 e poucos anos mais tarde falou:
Venham a mim, todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu aliviarei vocês.
Tomem sobre vocês o meu jugo, e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração;
E vocês encontrarão descanso para as suas almas.
Porque o meu jugo é suave e o minha carga é leve.
Mt 11:28-30
Respire.