UM DESENHO POR SEMANA

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A sacola vermelha

Precisou um estado inteiro ficar debaixo d’água, confesso o meu pecado.
Depois de um ano, mais especificamente treze meses de casado, e seis de insistência da Cyn, para que eu separasse roupas para doar, o fiz. Toda a falta de tempo, por causa da rotina da vida, preguiça e falta de vergonha na cara, foram deixadas de lado e uma grande sacola vermelha começou a ser enchida.

Vários itens que eu sabia que seriam enviados e outros tantos que fui descobrindo enquanto procurava. Algumas roupas usadas apenas uma vez, outras ainda nem estreadas foram se acumulando. Além disso, alguns perecíveis.

Momento antes, enquanto víamos na TV pessoas arrasadas por perdas materiais e familiares, conversávamos assustados como alguns outros milhões de brasileiros que assistiam os telejornais noturnos, sobre a tragédia. “Passou da hora, né?”, foi minha pergunta-confissão, assentida com um balançar vertical do rosto da Cyn.

No dia seguinte ao voltar para casa, depois do trabalho, dei de cara com a enorme sacola vermelha, resquício ainda dos presentes de casamento, agora servindo a outro propósito. Comecei a pensar em mim e nos outros. Em mim e nos outros. Nos outros. Nos outros...Por quê os desabrigados por causa de uma catástrofe natural eram especiais? Lembrei dos amontoados de gente, às vezes escondidas por cobertores que vejo no frio da manhã durante a ida para o trabalho, e na volta, ali na praça, perto de casa. Porquê não existe uma campanha por eles todos os dias? Os desabrigados sociais, não tem o mesmo valor?


Talvez seja porquê sua situação seja mesmo responsabilidade nossa, não seria uma ação de soliedariedade, mas de obrigação mesmo. Não nos colocamos na pele do outro na condição de miséria. Nos colocamos na situação de quem perdeu tudo por causa da natureza (de Deus diriam alguns). Isso sim, poderia acontecer conosco. Ao ver as doações em minha cidade, percebi que muita gente hoje em dificuldade no quintal ao lado poderia estar muito bem, e que catástrofe é na verdade a indiferença.

Indiferença. Engraçado foi perceber como um ano passa rápido, mas pode ser o suficiente para muita coisa boa e ruim mudar em nossa vida, até mesmo numa rotina. No início a presença dos abrigados por marquises e ralos cobertores nos incomodava muito. Às vezes tínhamos medo, ou no mínimo ficávamos sempre desconfortáveis. Mas depois de uma dúzia de meses, ou até menos que isso, já nos acostumáramos. O bom, velho e cômodo acostumar-se com as coisas. Não que nunca mais nos chocássemos, mas o impacto certamente foi diminuindo a cada dia.

É foi aí q a chuva começou a cair sem parar no sul do Brasil. E aconteceu...Impacto! Algo que nos atinge, nos pega de todos os lados. Não conseguimos nos afastar ainda que estejamos a milhares de quilômetros de distância. Números assustadores, desabrigados, mortos, perdas econômicas. Nos assustamos, nos movemos. Sentimos pelos outros novamente.
Nós, sentimos pelos outros.

Nós pelos outros.
Pelos outros.
Outros.
Nós.

Nós , sei que não falo só por mim. Importava, agora a nós agir. Por dois motivos simples. Porquê existe quem precisa dessa ação e porquê em breve nos acostumaremos com essa necessidade. Como em relação a todas as outras coisas. A tudo a gente se acostuma. Coisa que nem imaginamos mais, que nos incomodavam, já nem ligamos.

A sacola vermelha estava lá. Passei por ela, cansado, cônscio e alerta que a velocidade frenética do mundo, nos deixa letárgicos em relação ao outro. É isso que o pensamento, ritmo e as necessidades de hoje provocam em nós. No dia seguinte levei-a até um dos pontos de arrecadação.
É, nós. Se eu amar o próximo como a mim mesmo,” NÓS” seremos todos.
Nós. E aí não será mais necessário chover tanto assim (e muito menos usar a sacola vermelha).


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