UM DESENHO POR SEMANA

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A política no Brasil: uma questão de fé cega


No ápice dos protestos de junho escrevi por aqui que meu sentimento era confuso. Digo-vos hoje, que não era, continua. Naqueles dias (escrito assim parece que fazem anos) toda e qualquer opinião, ação, expressão, dirigia o autor para um lado, ainda que não quisesse ou se enxergasse assim. Se disse ”x”, significava que você era petista, se disse “y”, era reacionário, se cantasse o hino nacional era um fascista, mas se nada dissesse ou fizesse era um manipulado, alienado.

Todos passaram a ser alvos e juízes com os dois pés atrás na antítese da máxima jurídica in dubio pro reu. Exigia-se essa posição com as pedras nas mãos prontas para a execução. Uma guerra contra tudo e contra todos. Uma manifestação sem agenda, mas cheia de sentimentos confusos travestidos de convicções. Não estou dizendo que os indivíduos não tenham convicções e que elas não possam estar embasadas, pensadas até muitas delas experimentadas, vividas. Digo porém, que no mar de gente, tanto das avenidas tomadas em junho quanto nas redes hoje excitadas por prisões de pessoas políticas conhecidas, as convicções meio que se misturam, se perdem, se confundem. As certezas dos discursos de jornalistas de um e outro lado, de artistas, de amigos me deixaram um tanto quanto bobo. Sim, bobo.

A sensação é de que eu nada sei, de que apesar de minhas convicções estou em cima do muro, ou apenas não estou entendendo patavinas. Ler, assistir, o opinar de articulistas das mais diversas linhas ideológicas, acompanhar discussões, me deixa confuso sobre o tema central, mas cada vez mais convicto de uma coisa: as certezas de fatos que eu não conheço, continua sendo o sinônimo de fé.

São tantas referências jurídicas, informações em tese embasadas e compartilhadas por pessoas a quem eu não respeitava que encontraram eco em outras de minha inteira consideração, e vice e versa. Veículos, profissionais, amigos: em quem acreditar? Em meio a tantas certezas expressas por aí, vejo inúmeros buracos em qualquer lado que me apresente. E é aí que me vem o conceito de fé. Fé é acreditar apesar de não ver em mãos cada prova. Em meio a um caos ético, moral e político escolher um lado, ainda que este seja tão ou mais falho que o outro, é quase uma questão de fé. E acreditar na pureza de qualquer um deles é uma questão de fé cega.  

Talvez meu discurso pareça fatalista, desesperançoso. Quanto à política do Brasil, confesso, é. Um país com profundas desigualdades sociais, com massas manipuladas de um lado, e de outro, com intelectuais, elites classes médias hipócritas de olhos fechados para os primeiros. Um país gigante que tem vergonha de si mesmo e nesse sentimento se permite errar onde não deveria. Um país de gente que trabalha e rouba, sofre e sonega, luta e dá um jeitinho. Um país com dois lados que praticam os mesmo erros, mas alimentam a fé da pureza em si mesmos e a personificação do mal no outro.

Um país que há 500 anos vive da arte de “viver da fé. Só não se sabe fé em quê.”   

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