UM DESENHO POR SEMANA

terça-feira, 29 de abril de 2014

O vil metal e as crianças


Contido em alguns, mais visível em outros, há um desespero comum a todos os pais incipientes: o faz me rir, o vil metal, a bufunfa. Sim, quando o exame dá positivo temos o momento de euforia barra susto barra emoção e alguns dias depois, o pensamento que vem é “quanto vai custar?” A responsabilidade de ser pai, mentor, exemplo a gente deixa pra depois, já que teremos um bebê que, apesar de absorver muito, ainda não precisa em seus primeiros dias de receber lá muito conhecimento. Então, durante a gravidez, é l'argent que vem à cabeça. Preciso fazer uma poupança pro garoto. Preciso pintar, decorar o quarto. Preciso comprar 500 coisas que eu não sei o que são, mas sei que são caras. Preciso pensar na creche pra daqui um ano, preciso pensar na escola pra daqui 6. Preciso de uma casa maior. Preciso ganhar mais dinheiro.
O mundo mudou e a visão do homem provedor não é mais dominante. A mulher trabalha tanto ou mais que o homem, estuda e se especializa mais do que ele. Mas isso não muda como o homem pensa - a preocupação continua a mesma. Está no nosso instinto nos preocuparmos em trazer a comida pra caverna, assim  como ainda está na mulher o instinto de proteger a cria com sua vida.
Mas nessa, além da carne, queremos novas cavernas, peles mais sofisticadas, animais mais difíceis de serem caçados e sabe-se lá por que, justificamos tudo isso dizendo que é pra nossa cria. Talvez alguma porcentagem até seja. Uma pequena, mas essa caça toda tem como satisfação principal agradar o “chefe do clã”. Reside nos próprios sonhos, na própria praticidade em facilitar a própria vida Esse pensamento ocorreu por causa de um item do mundo recém nascido, o carrinho de bebê. Além da coisa mercadológica, fico pensando como sobrevivi sem um carrinho incrivelmente equipado quando era criança. Mas o meu instinto era comprar esses carrinhos de marcas americanas ou europeias vindos da China que custam no mínimo R$ 1500,00. E embora o apelo seja a segurança do rebento, o que me atraía nos carrinhos desse valor era o meu conforto, a facilidade de carregar, guardar, enfiar dentro do carro, tirar o bebê-conforto etc e reticências. Quase nenhum quesito se referia a ele. E assim, pensando em berços, decorações, e alguns outros produtos, percebi o óbvio: projetamos no filho a beleza material da vida que desejamos, seja no carrinho design, seja no lustre bacanudo ou mesmo DIY do quarto. Por isso compramos bodys de banda, por isso colocamos guitarras na parede, pensamos em decorações, produtos e equipamentos com a nossa cara. O meu filho já é uma extensão de mim, mesmo que ainda nem suje a fralda. Antes que você se assuste, não acho nada disso abominável. Pelo contrário, envolver o filho naquilo que aos nossos olhos visualmente, culturalmente, é melhor, é mais que natural. O que me chamou à reflexão é o status de necessidade que antes que a criança nasça colocamos nelas. Usamos o sacro amor pelo filho para justificar os nossos devaneios consumistas, sublimar nossas inseguranças. Ouvi mais de uma vez a bravata “Faço tal coisa pelos meus filhos, trabalho 18 horas pelos meus filhos, não vejo meus filhos pelos meus filhos.” Engraçado que muitas vezes vejo esses pais continuarem a comprar carros, videogames, jantar em lugares caros, fazer viagens caras, mas ainda assim justificam as loucuras consumistas pelos filhos. Exageram em produtos que eles não pediram, roupas que eles não gostam, ou presentes que eles não ligam, sustentando a própria satisfação em comprar tudo aquilo. Falo tudo isso porque enxerguei esse bicho em mim, olhando para o status do carrinho de três rodas (sim, ter três rodas e não quatro dizem que dá status). Senti vergonha, senti pena do meu filho e reavaliei o meu papel. O meu papel de não usar o garoto como muleta ou motivação pra comprar. O meu papel de me policiar, sabendo que vou querer dar o mais incrível, quando o mais educativo será dar o normal. O meu papel de pai de gastar mais tempo e menos dinheiro com ele. O meu papel de brincar com tupperware no chão da sala ao invés de chegar tarde e trazer um melhor brinquedo do mundo por culpa. Não disse aqui que não farei loucuras nesse processo. Mas minha intenção é, em cada decisão pensada, não justificar ou colocar um peso nas costas de quem nem está sabendo o que acontece. Se quiser comprar um sapatinho de 100 reais para a criança usar uma vez, saberei que aquilo me alegra e não a ele. Foi graças a esse carrinho que  percebi que a relação como meu filho, desde o ventre, deve ser tratada como qualquer outra entre duas pessoas: é necessário respeito entre as partes. Assim, decidi por respeitar meu filho, sendo sincero comigo mesmo. Meu maior desejo é conseguir não mentir pra mim, seja nesse o em qualquer outro assunto. Só assim serei verdadeiro com ele. Só assim terei direito de dizer a ele o que tem ou não importância na vida. E só assim um dia ele vai me respeitar como hoje eu já o respeito.

4 comentários:

  1. Muto bem, Jean Marcel! Que muitos e muuitos pais tenham esta consciência e ofereçam aos seus filhos o que realmente tem valor!

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  2. Perfeito! Mais que uma reflexão, um tapa "acorda malandro" na cara.

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  3. Acordemos todos, Ju Assis, acordemos.

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