UM DESENHO POR SEMANA

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O choro é livre.



Chorava todo mundo mas agora ninguém chora mais. Peraí, é o contrário. Ninguém chorava, agora todo mundo chora. Mas por que isso está acontecendo?

Depois do choro de Julio Cesar, Thiago Silva e Neymar, o jogador de Costa do Marfim também chorou durante a execução do hino de seu país. No caso dos brasileiros parece óbvio: eles estão jogando a competição mais importante do esporte número um do mundo, no próprio país e ouvindo 60 mil pessoas cantando junto com eles o hino de sua nação. Pode haver catalisador maior de emoção e catarse do que isso? Soma-se a isso a pouca idade do maior craque brasileiro em atividade e a estreia em mundiais dele. No caso de Júlio César, talvez perceber-se como titular da principal seleção do mundo durante o claro ocaso da carreira, com descrédito unânime do mundo da bola, possa ser motivo suficiente para extravasar.
Soma-se a esses o mais óbvio de todos, porém diferente,  Luis Soárez, atacante e principal jogador uruguaio, que após ser dúvida para copa fez um jogo inesquecível em sua volta, marcando dois tentos contra os ingleses, mantendo vivo seu país na competição e enfim, chorando. Trama de mito de heroi pra ninguém botar defeito.
Aí temos três tipos de choro:
1. O vindo da emoção catártica, contagiante, vinda do ambiente,
2. O impulsionado pela percepção de quem se é, sua situação e a benção de viver algo grande apesar de tudo.
3. A de vencer um desafio individual, sair das cinzas com esforço maior e alcançar uma vitória com ares heroicos para o coletivo.
O ator, diretor e entrevistador Antônio Abujamra sempre faz uma pergunta a seus entrevistados no programa Provocações: “você chora diante de quê? Você chora diante da beleza?” A resposta afirmativa à segunda questão é sempre a mais bela, mais poética, mas isso não acontece comigo. Ainda que tenha me emocionado também com o primeiro jogo da copa, choro de verdade apenas quando estou com raiva.
Quando criança eu chorava muito, pelos mais diversos motivos. Depois de grande só ficou a raiva. Raramente choro de emoção, tristeza ou alegria. A raiva, o sentimento de injustiça extrema me fazem chorar. O choro sai lavando e impedindo a violência chegar até os punhos. Quando adolescente, certa vez ao ser envergonhado em frente a uma garota, não chorei, chutei o pilar mais próximo e quase fraturei o pé. Sim, hoje é engraçado. Por muito tempo me senti idiota com aquilo. Como um Felipe Melo da vida, “deveria ter chutado o moleque que me envergonhou, fraturado o joelho dele” pensei durante anos. Até o dia em que, mais maduro, fiquei feliz com aquilo, por não ter batido no rapaz, por não ter seguido numa sequência de sempre dar vazão agressiva à raiva, pela não-violência, por aquilo não ter passado pela minha cabeça na hora. Substituí o chute no pilar pelo choro, que graças a Deus, há tempos não aparece.
Volto à pergunta do provocador: e você, “Chora diante de quê?”
Beleza, catarse espiritual, vitória esportiva, a simples e dura tristeza de uma perda? Chorar é bonito, lírico, mas depende do contexto. O choro é livre e cada um deve ter seu momento de extravasar.
Porém, muitos assustaram-se com o choro dos brasileiros, inclusive jogadores comentaristas, falando que aquilo poderia ser um descontrole emocional que atrapalha a produtividade. Sim, poderia e isso é preocupante se continuar. Passada a emoção dos dois primeiros jogos está na hora de tomar as rédeas e realizar o feito, assim como Luisito Soárez, que desaguou depois de alcançar a glória  e não antes.

Na vida e no campo às vezes é preciso segurar o choro e usar a água represada como força motriz, expressando tudo o que está dentro de si, seja alegria, energia e até raiva, em ações. E assim, se possível, ao invés de dar um bico no pilar ou no joelho de alguém, que toda essa emoção culmine no melhor chute a uma bola, numa conquista na vida e em um grito rasgado de gol. E aí, que venham todas as lágrimas.

7 comentários:

  1. Ainda sou como na época de criança: choro por motivos diversos. A diferença é que hoje a emoção tem que ser muito forte pra fazer as lágrimas rolarem. Mas teu texto me fez sorrir, cara. Muito bom ler tuas crônicas. =)

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    1. Com relação ao choro no ponto de ter que ser muito forte, é parecido comigo e acho que a maioria dos homens é um pouco assim também. A vazão se dá apenas em momentos extremos. Que bom saber que veio um sorriso, Nego. Valeu por sua passada frequente por aqui.

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  2. Belo texto amigo redator, poeta, compositor...
    Respondendo a pergunta/base do texto, eu choro de emoção, de felicidade e de "vazio", quando o sinto.
    Medo me faz rir e raiva ou ódio de algo me deixam agitada, inquieta e pensativa.
    Interessante ler que na infância você chorava e hoje não chora mais, até pouco tempo atrás eu não chorava por nada. NADA. Até que desbloqueei algo em mim e hoje choro com bastante facilidade. Não sei se nesse caso existe o melhor e o pior, apenas sei que ambos possuem dores e delícias.
    Sendo assim, sigamos em frente. Sempre com um belo sorriso nos lábios, seja com os olhos marejados ou não.
    Abraço.

    Obs: Eu acredito que no nascimento do seu filho, você irá sim, derrubar lágrimas de emoção para acompanhar o sorriso. ^^

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Brigadão Aninha. É interessante perceber como cada um sente, se emociona e trata as coisas da vida. Legal sua reflexão. Quanto ao nascimento, tem bastante gente apostando no meu choro, rs.
      Abraço

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  3. Sabe que, outro dia, assustei comigo mesma. Fui assistir o filme A culpa é das estrelas. E não derramei uma lágrima, mesmo estando na TPM.rsrs Mas chorar é bom, as vezes precisa, seja por qual motivo for. Dá a sensação de que você está colocando seu sentimento pra fora, seja raiva, alegria, dor... As vezes quero chorar e não consigo e fica um nó dentro de mim. É muito estranho.

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    1. às vezes não é hora ainda de colocar pra fora, talvez seja a coisa de que às vezes é necessário assimilar alguns sentimentos e outras liberá-los logo...
      Coisa dos momentos da vida.

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