UM DESENHO POR SEMANA

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Obrigado por me fazer voltar


Descrença total com a política. Desilusões com as promessas dos governantes, com nossas escolhas, com nossos amigos, descrédito com o que somos como nação. Diagnóstico desesperador, notícias cada vez piores. Não é apenas o dinheiro que encurta, ou o desemprego que bate à porta. O problema é não ver solução, reconhecer opção; é não ter lado B. Ninguém é diferente, então a solução ou a única alternativa é sermos diferentes.


Nesse contexto Ética é coisa que a gente está tão pouco acostumado a ver ou discutir que no afã de tê-la na alma e expressá-la em ações, podemos errar pela falta de costume. Parece impossível errar tentando ser ético. Mas eu caí na cilada da pureza que muitos partidos diziam (e alguns ainda o fazem) ter.


Calma, caro leitor, não ache que estou sendo pedante. Logo verás que não sou todo este libelo da virtude e da correção.


Aconteceu há cerca de uns três meses. Por conta de crises e coisas do mercado, perdi, junto com mais 13 pessoas na mesma agência e milhares no país, o emprego. Uns conseguiram algo rápido, outros demoraram um pouco mais, mas eu não. Não aconteceu e pra mim foi uma benção que conto em outra oportunidade. Foi no meio desse período que um amigo, ao saber, mandou-me uma mensagem dizendo algo do tipo:
  • Está em casa? Vai sair?
  • Tô em casa sim. Não, não vou.
  • Ok, estou passando aí daqui há pouco. Estou levando uma cesta.
  • Uma cesta? do que?
  • Uma cesta básica.

Por alguns segundos fiquei perdido. “Como eu poderia aceitar uma cesta básica? Não estava passando fome...e quem está passando fome? É como se estivesse roubando de alguém que precisa. Como ficaria...meu Deus, não posso fazer isso, seria errado”.
  • Nossa, obrigado, mas não precisa.
  • Eu já peguei, to levando aí.
  • Não seria justo ficar com ela, eu não estou precisando. Dá pra alguém que precisa mais.
  • Então pegue só o que você pode precisar e doe o resto.
  • Não, ta tudo bem mesmo aqui, tranquilo. Você deve ter aguém pra doar que precise mais, tenho certeza.
  • Não, não tenho ninguém de cabeça agora.
  • Vou pensar se conheço alguém e te falo então, ok?


E assim terminou a conversa há mais de um mês. Não falei mais com ele. Um segundo depois, da última mensagem eu estava inquieto, sem rumo, tentando me convencer “Espera um pouco, eu deveria estar bem, agi com correção! Eu fiz certo, não fiz? Eu fiz. Fiz?”
Falei com a minha esposa. Ela desvendou meus olhos para a obviedade. Eu havia sido ingrato com quem se preocupava comigo e dava tudo o que podia pra me ajudar. Eu recusei um presente legítimo. Eu usei um argumento ético para sublimar algum tipo de orgulho. Me escondi na pretensa correção, pra não me ver na situação em que eu estava. Agi errado, fazendo o certo. Ironicamente, nessa de ter a mente tranquila, estava me sentindo como se estivesse no meio das manifestações na Avenida Paulista, sendo desmascarado por ter participado de um escândalo de corrupção numa estatal.


Lembrei-me da passagem em que Jesus vai à casa de Marta e sua irmã, e Maria despeja um caro perfume sobre Ele. Judas, o tesoureiro do grupo, questiona o ato dizendo “Não seria mais útil vender e dar o dinheiro aos pobres?” Mas Jesus enxerga o coração, a alma e o ato claro e inequívoco de entrega de Maria. Vê o desejo sincero e desprendido de fazer o outro alegre, honrando-o sem nada receber em troca. Ela estava dando aquilo que era dela e não comprando, trocando, fazendo negociata.
Me vi na mesquinharia travestida de altruísmo de Judas. Sofri, sofri e sofri tentando achar um jeito de me redimir, de pedir desculpas e novamente achar graça diante de quem havia tentado levantar meu ânimo. Alguém que deu o que tinha para me ver feliz, simplesmente por que deveria ser feito, não por que eu pudesse dar algo em troca. E em todo esse tempo eu não conseguia achar o pedido de desculpas, sua forma seu jeito, seu tom. E agora eu estou aqui. Há muito deixei este blog meio de lado. Muitas ideias e assuntos vieram à minha cabeça até que decidisse voltar de verdade. Eu precisava escrever e o retorno tinha de vir com a maior sinceridade possível. Precisava ser um desmanche de mim. Como já fiz, como tem que ser. Precisava, de verdade, da verdade. E esse texto ficou martelando na minha cabeça desde então.
Parece errado pedir perdão publicamente. Mas uso o meu coração falho para que ele sirva pra alguma coisa nesse tempo tão esquisito, cético e pessimista em que vivemos. Sem mais delongas, perdão, amigo. Perdão e obrigado por desvendar meus olhos e me fazer voltar.

2 comentários:

  1. Demais este texto... Como sempre... obrigada por compartilhar está experiência.

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  2. Faz tempo q estou pra escrever. Muito bom este texto. Obrigada por compartilhar.

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